Sem a menor dúvida, o ritual e o formalismo não resistem à menor análise da razão, e facilmente se conclui que foram introduzidos nos vários cultos com segundas intenções (Schutel).
Tão surpreendente quanto a naturalidade das pessoas em emitirem juízo sobre algo que pouco sabem, é seu desinteresse em melhor informarem-se (LOEFFLER).
Introdução
Sempre nos causa espécie, ver passagens bíblicas mencionando o ritual do batismo, em particular a que relata o batismo de Jesus, uma vez que esse rito não fazia parte das práticas religiosas dos hebreus. Assim, não sabemos por qual motivo que, de uma hora para outra, aparece, na Bíblia, alguém realizando o batismo, porquanto a circuncisão é que era o ritual praticado naquela época (Lv 12,3). Para nós só existe uma explicação possível para isso. Embora saibamos que ela não irá agradar aos fundamentalistas, mas, como buscamos a verdade, não nos resta senão a alternativa de deduzir que tal episódio seja uma interpolação.
Mais ainda ficamos convictos dessa possibilidade, quando os próprios textos bíblicos nos levam justamente a essa hipótese. É o que veremos no desenrolar desse estudo.
Origem
Cairbar Schutel, em O Batismo, assim relata:
Esta prática, que assinala períodos milenários, parece ter nascido na Grécia Antiga, logo após a constituição de uma seita que cultuava a Deusa da Torpeza, a quem denominavam Cotito e a quem os atenienses rendiam os seus louvores. Esta seita, constituída de sacerdotes que tinham recebido o nome de baptas, porque se banhavam e purificavam com perfumes antes da celebração das cerimônias, deixou saliente nas páginas da História esse ato como símbolo da purificação do Espírito. (SCHUTEL, 1986, p. 15).
Corroborando essa versão, Celso Martins, em Nas Fronteiras da Ciência, afirma:
[...] Batizando as criaturas nas águas do Rio Jordão como símbolo da renovação espiritual de cada seguidor seu, João estava apenas lançando mão de um rito que remontava à Grécia antiga, pois o batismo é uma prática pagã que nos veio dos sacerdotes da deusa Cotito. Eles se banhavam antes de dedicar suas oferendas à referida deusa da mitologia dos gregos. Como tais sacerdotes se chamavam baptas, daí surgiu a etimologia da palavra batismo, banho em água, no ritualismo de muitas seitas cristãs e também orientais. (MARTINS, 2001, p. 30) (grifo do original).
Em Jesus e sua Doutrina, A. Leterre, por sua vez, nos diz ser outra a origem:
Os antigos persas apresentavam o recém-nascido ao padre, perante o Sol, simbolizado pelo fogo. O padre pegava a criança e a colocava em uma bacia com água, a fim de lhe purificar a alma. Nessa ocasião o pai dava nome ao filho. [...]
A cerimônia do batismo, no verdadeiro sentido de banho expiatório, já havia, também, na Índia, milhares de anos antes de existir a Europa, tendo daí passado para o Egito. Na Índia eram as águas do Gange, consideradas sagradas, como ainda hoje, que possuíam esta propriedade purificadora, apesar de ser o foco da cólera-morbo; do Gange passou-se para o Indus, igualmente sagrado, de onde se propagou ao Nilo, do mesmo modo sagrado, para, finalmente, terminar no Jordão, onde João as empregava com o mesmo fim e como simples formalidade do seu rito. (LETERRE, 2004, pp. 172-173). (grifo do original).
Seja lá qual for a sua origem, o que fica claro é que ela está indubitavelmente ligada às práticas de povos ditos pagãos.
Considerações sobre os relatos bíblicos
A primeira vez em que aparece, na Bíblia, a realização do ritual do batismo, é no Novo Testamento, quando João, o batista, às margens do rio Jordão, batizava, para o perdão dos pecados, àqueles que confessavam publicamente os seus (Mt 3,6). Jesus vai ao seu encontro para ser batizado, mas João reconhecendo que Jesus é maior que ele Lhe diz: “Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?” (Mt 3,14); entretanto, por insistência do Mestre, batiza–O. Imediatamente após o batismo, uma voz, vinda do céu, afirma: “Este é o meu filho amado, que muito me agrada” (Mt 3,17).
É-nos estranha essa atitude de Jesus, porquanto João Batista somente batizava os que vinham a seu encontro para confessar os seus pecados (Mt 3,5-6), o que, segundo Marcos, significava que fazia o batismo de conversão para o perdão dos pecados (Mc 1,4-5). Jesus, então, tinha pecados? Estaria ele se convertendo naquele momento? Fica difícil aceitar isso...
Observamos que João Batista identificou Jesus como o Messias, fato confirmado pelo plano espiritual (a voz que vinha do céu); diante disso, concluímos que não haveria a mínima possibilidade de dúvida por parte da “voz que clama no deserto”. Entretanto, isso não é um fato, pois, logo após ser preso, João Batista manda alguns de seus discípulos perguntarem a Jesus: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?" (Mt 11,2-3). Falta coerência nisso, já que, conforme relatado, João sabia perfeitamente quem era Jesus, e se, porventura, houvesse alguma dúvida de sua parte, ela teria sido completamente sanada pela manifestação espiritual ocorrida após o batismo, que apresenta Jesus como o Messias. Assim, a dúvida é de nossa parte para saber qual das duas situações realmente ocorreu, já que uma é contraditória à outra.
Então, não é de todo improvável que a passagem que relata o batismo de Jesus é que não espelhe a realidade, mas que pode ter sido criada para validar e justificar o ritual do batismo realizado pelas igrejas ditas cristãs que, na verdade, praticam mesmo é o batismo de João, isto nos é claro. Tal prática ritualística vem contrariar o que o próprio João, o batista, afirmou: “Eu batizo vocês com água para a conversão. Mas aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu. E eu não sou digno nem de tirar-lhe as sandálias. Ele é quem batizará vocês com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3,11); o que é uma evidente demonstração de que o batismo que ele praticava não era um ritual a ser seguido. Colocava, isto sim, o batismo do “Espírito Santo e com fogo” como aquele a que todos deveriam ser submetidos, argumento esse que, também, pode ser confirmado em At 1,4-5: “Estando com os apóstolos numa refeição, Jesus deu-lhes esta ordem: ‘Não se afastem de Jerusalém. Esperem que se realize a promessa do Pai, da qual vocês ouviram falar: 'João batizou com água; vocês, porém, dentro de poucos dias, serão batizados com o Espírito Santo'". Por isso, concluímos que o relato do batismo de Jesus é bem provável que seja mesmo uma interpolação.
Interessante é que os fariseus e os saduceus também queriam ser batizados (Mt 3,7); entretanto, foram prontamente rechaçados, já que João não via neles nenhuma postura de arrependimento. Essa atitude dele nos induz a acreditar que não era mesmo sua intenção colocar o batismo como um ritual, pois, se assim o fosse, teria batizado aquela “raça de víboras”. João Batista deixou claro o motivo mais importante pelo qual estava batizando ao dizer: "... para que ele fosse manifestado a Israel, vim eu, por isso, batizando com água" e "... o que me mandou a batizar com água, esse me disse: Sobre aquele que vires descer o Espírito, e sobre ele repousar, esse é o que batiza com o Espírito Santo" (Jo 1,31-33). Ou seja, foi apenas para ele identificar o Messias. Mas, uma vez cumprido esse seu propósito, deixa de ser necessário o batismo de água, passando a vigorar, daquela hora em diante, o batismo verdadeiro, o de Jesus. Este, sim, é o verdadeiro batismo cristão: com Espírito Santo e com fogo.
Ademais, observemos que, embora Mateus, Marcos e Lucas afirmassem que Jesus tenha sido batizado, João, o evangelista, um dos discípulos bem próximo a Jesus, nada diz sobre isso. É estranho este fato, para algo que dizem ser muito importante. E se o batismo fosse tão importante como alguns afirmam, então por que Jesus não atendeu a João, o batista, que Lhe disse “eu é que devo ser batizado por ti” (Mt 3,14)? Sem contar que os apóstolos não foram batizados em água, mas foram no Espírito Santo (At 1,4-5; 2,4). Exatamente por isso é que podemos reafirmar que o batismo em água não possui sustentação bíblica para a sua aplicação, pois estaria contrariando a determinação de Jesus citada em At 1,4-5, cujo teor veremos mais adiante, e o que foi revelado a João Batista.
Vejamos que Paulo, o apóstolo dos gentios, percebe claramente essa diferença:
“... Paulo... chegou a Éfeso e, achando ali alguns discípulos, perguntou-lhes: Recebestes vós o Espírito Santo quando crestes? Responderam-lhe eles: Não, nem sequer ouvimos que haja Espírito Santo. Tornou-lhes ele: Em que fostes batizados então? E eles disseram: No batismo de João. Mas Paulo respondeu: João administrou o batismo do arrependimento, dizendo ao povo que cresse naquele que após ele havia de vir, isto é, em Jesus. Quando ouviram isso, foram batizados em nome do Senhor Jesus. Havendo-lhes Paulo imposto as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo, e falavam em línguas e profetizavam” (At 19,1-6).
Com isso fica claro que o batismo de João, ou seja, o de água, não tinha valor; caso contrário, Paulo teria deixado as coisas como estavam e não teria ministrado o batismo em nome do Senhor Jesus. E quanto ao fato de se batizar “em nome de Jesus” e não “em nome da Trindade” queremos, neste momento, apenas chamar a sua atenção, pois iremos falar sobre isso um pouco mais à frente.
Em outra oportunidade Paulo disse enfático: “De fato, Cristo não me enviou para batizar, mas para anunciar o Evangelho...” (1Cor 1,17), do que podemos ver claramente que, na sua convicção, o batismo não era importante para salvação de ninguém.
Paulo vai ainda mais longe: era contrário ao ritual que praticavam naquela época, no caso, a circuncisão. Senão vejamos: “De resto, cada um continue vivendo na condição em que o Senhor o colocou, tal como vivia quando foi chamado. É o que ordeno em todas as igrejas. Alguém foi chamado à fé quando já era circuncidado? Não procure disfarçar a sua circuncisão. Alguém não era circuncidado quando foi chamado à fé? Não se faça circuncidar” (1Cor 7,17-18). Evidentemente, não deixou de questionar tal prática: “Qual é a utilidade da circuncisão” (Rm 3,1)? Ele, Paulo, responde demonstrando que isso não faz a menor diferença: ”Não tem nenhuma importância estar ou não estar circuncidado. O que importa é observar os mandamentos de Deus” (1Cor 7,19). Justificando-se: “Então, será que Deus é Deus somente dos judeus? Não será também Deus dos pagãos? Sim, ele é Deus também dos pagãos. De fato, há um só Deus que justifica, pela fé, tanto os circuncidados como os não circuncidados” (Rm 3,29-30).
Usando dos mesmos argumentos de Paulo, em relação ao batismo de água, diríamos: não tem nenhuma importância estar ou não estar batizado, já que o que importa é observar os mandamentos de Deus.
Os dois períodos para o evento
Para análise e melhor entendimento desse assunto, podemos dividir em dois os períodos: o primeiro é relacionado aos acontecimentos durante a vida de Jesus, enquanto que o segundo se refere aos depois de sua morte. Isso é importante para separar o joio do trigo; mas, para tanto, devemos primeiramente questionar: Jesus batizou alguém? Orientou a seus discípulos a fazê-lo? Teriam sido eles batizados? Se Jesus falou de algum batismo, qual?
Então, vejamos o que podemos encontrar no primeiro período.
Quanto a saber se Jesus batizou alguém, só em João é que vamos encontrar algo a esse respeito. Em determinado momento o evangelista diz que sim, ou seja, que Jesus batizava; porém depois desmentiu e disse que não; mas quem batizava eram seus discípulos (Jo 4,1-2). Em relação a seus discípulos é fato curioso, pois nenhum dos outros evangelistas afirmou isso; somente João é que conta essa história. É estranho, pois não vemos, em momento algum, Jesus orientando a seus discípulos para que realizassem tal prática, o que podemos comprovar com o seguinte passo: “Então Jesus chamou seus discípulos e deu-lhes poder para expulsar os espíritos maus, e para curar qualquer tipo de doença e enfermidade... Jesus enviou os Doze com estas recomendações: ... ‘Curem os doentes, ressuscitem os mortos, purifiquem os leprosos, expulsem os demônios. Vocês receberam de graça, dêem também de graça!...’” (Mt 10,1-8, ver tb Mc 3,14-15 e Lc 9,1-2).
De outra feita, Jesus faz recomendações a setenta e dois discípulos (Lc 10,1) não estando também entre elas o batismo. Assim, observamos que Jesus, quando vivo, passou vários conselhos aos discípulos, mas não há nenhum relacionado a batismo. Será que depois de morto teria mudado de idéia, uma vez que tal recomendação só aparece após este fato? É o que veremos agora.
Depois de sua morte o que aconteceu? Encontramos no evangelho apenas duas passagens em que supostamente Jesus teria orientado o batismo. Falamos supostamente, pois demonstraremos que uma delas é interpolação grosseira e a outra um acréscimo ao texto primitivo.
Analisemos a primeira passagem em que aparecem as orientações de Jesus, ressurreto, aos discípulos (ver tb Mc 16,14-18):
Mt 28,16-20: Os onze discípulos foram para a Galiléia,... Então Jesus se aproximou, e falou: "... Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês...”.
Essa passagem é o que, por último, encontramos no evangelho de Mateus e somente nele é que se recomenda batizar “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”, ou seja, em toda a Bíblia é o único passo que diz isso. Chama-nos atenção para o fato de que, naquela época, não se acreditava na Trindade, provando que isso é uma vergonhosa interpolação para justificar práticas ritualísticas criadas posteriormente à morte de Jesus. Agiram dessa forma para transparecer que era coisa comum no período em que Ele ainda vivia entre os discípulos.
Léon Denis, em Cristianismo e Espiritismo, disse:
Depois da proclamação da divindade de Cristo, no século IV, depois da introdução, no sistema eclesiástico, do dogma da Trindade, no século VII, muitas passagens do Novo Testamento foram modificadas, a fim de que exprimissem as novas doutrinas (Ver João I, 5,7). “Vimos, diz Leblois (145), na Biblioteca Nacional, na de Santa Genoveva, na do mosteiro de Saint-Gall, manuscritos em que o dogma da Trindade está apenas acrescentado à margem. Mais tarde foi intercalado no texto, onde se encontra ainda”.
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(145) “As bíblias e os iniciadores religiosos da humanidade”, por Leblois, pastor de Strasburgo.
(DENIS, 1987, p. 272). (grifo nosso).
Grifamos apenas para ressaltar que a origem dessa informação foi tirada da fala de um pastor; isto é importante para demonstrar a imparcialidade de quem dá a notícia.
Entretanto, para nossa própria grata surpresa, conseguimos também provar essa interpolação, ao lermos Orígenes(185-254), considerado como um dos “Pais da Igreja”, que viveu na Antiguidade cristã. Na sua obra apologética intitulada Contra Celso (cerca de 248), ele, refutando as críticas deste filósofo pagão contra os cristãos, transcreve, em seu discurso, muitas passagens bíblicas, e, entre elas, cita Mt 28,19 com o seguinte teor: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos” (ORÍGENES, 2004, p. 154). O que atesta que a expressão “batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” foi mesmo colocada, posteriormente, para se justificar o dogma da Trindade.
O historiador e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, David Flusser (1917-2000), que lecionou no Departamento de Religião Comparada por mais de 50 anos, nascido na Áustria, foi estudioso da literatura clássica e talmúdica, conhecia 26 idiomas, informa que:
De acordo com os manuscritos de Mateus que foram preservados, o Jesus ressuscitado ordenou aos seus discípulos batizar todas as nações “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. A fórmula trinitária franca, aqui, é de fato notável, mas já foi mostrado que a ordem para batizar e a fórmula trinitária faltam em todas as citações das passagens de Mateus nos escritos de Eusébio anteriores ao Concílio de Nicéia. O texto de Eusébio de Mt 28:19-20 antes de Nicéia era o seguinte: “Ide e tornai todas as nações discípulas em meu nome, ensinando-as a observar tudo o que vos ordenei”. Parece que Eusébio encontrou essa forma do texto nos códices da famosa biblioteca cristã em Cesaréia. 75 Esse texto mais curto está completo e coerente. Seu sentido é claro e tem seus méritos óbvios: diz que o Jesus ressuscitado ordenou que seus discípulos instruíssem todas as nações em seu nome, o que significa que os discípulos deveriam ensinar a doutrina de seu mestre, depois de sua morte, tal como a receberam dele. (FLUSSER, 2001, p. 156).
É importante transcrevermos também a nota 75 em que Flusser coloca sua base de informação:
75. Ver D. Flusser, "The Conclusion of Matthew in a New Jewish Christian Source", Annual of the Swedish Theological lnstitute, vol. V, 1967, Leiden, 1967, pp. 110-20; Benjamin J. Hubbard, “The Matthean Redaction of a Primitive Apostolic Commissioning", SBL, Dissertation Series 19, Montana, 1974. Mais testemunho da conclusão não-trinitária de Mateus está preservado num texto copta (ver E. Budge, Miscelleaneous Coptic Texts, Londres, 1915, pp. 58 e seguintes, 628 e 636), onde é descrita uma controvérsia entre Cirilo de Jerusalém e um monge herético. "E o patriarca Cirilo disse ao monge: 'Quem te mandou pregar essas coisas?' E o monge lhe disse: 'O Cristo disse: Ide a todo o mundo e pregai a todas as nações em Meu nome em cada lugar". O texto é citado por Morcon Smith, Clement of Alexandria and a Secret Cospel of Mark, Harvard University Press, Cambridge, Mass, 1973, p. 342-6. (FLUSSER, 2001, p. 170).
Na seqüência, Flusser diz que...
“um testemunho adicional das versões mais curtas de Mt 28:19-20a foi descoberto há pouco tempo numa fonte judeu-cristã...” (FLUSSER, 2001, p. 156), citando como fonte: Sh. Pinès, “The Jewish Christians of the Early Centuries of Christianity According to a New Source”, The Israel Academy of Sciences and Humanities Proceedings, vol. II, nº 13, Jerusalém, 1966, p. 25. (FLUSSER, 2001, p. 170).
Para corroborar tudo isso iremos apresentar a opinião de Geza Vermes, um dos maiores especialistas sobre a história do cristianismo, que, falando sobre esse passo, disse:
[...] Nos programas missionários anteriores, não houve questão quanto ao batismo, e menos ainda quanto a batizar nações inteiras. Além disso, o batismo administrado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo não tem precedente não só nos Evangelhos, mas também em qualquer lugar de todo o Novo Testamento. A fórmula que ocorre em Atos dos Apóstolos é batismo “em nome de” Jesus (At 2,38; 8,16; 10,48; 19,5) e, em Paulo, batismo “em Cristo” (Rm 6,3; Gl 3,27). Fora de Mateus, a fórmula trinitária, Pai, Filho e Espírito Santo ocorre pela primeira vez no manual litúrgico da igreja primitiva intitulado Didaqué ou Instrução dos Doze Apóstolos, que é datado da primeira metade do século II d.C. Tudo isso aponta para uma origem tardia de Mt 28,18-20.[...] (VERMES, 2006, p. 377-378). (grifo nosso).
Podemos colocar dois argumentos para contradizer essa passagem de Mateus: 1º) é que Jesus, quando vivo, não recomendou o batismo de água, mas um outro, o que veremos mais à frente; 2º) em Atos (2,38; 8,16; 10,48 e 19,5) temos a prova de que se batizava somente “em nome de Jesus”, evidenciando falta grave de quem fez a interpolação por não ter percebido esse pequeno detalhe. Eh!... Não há mesmo crime perfeito!
Mas esse fato não passou despercebido pelos tradutores da Bíblia de Jerusalém, que o minimizam dizendo:
É possível que, em sua forma precisa, essa fórmula reflita influência do uso litúrgico posteriormente fixado na comunidade primitiva. Sabe-se que o livro dos Atos fala em batizar “no nome de Jesus” (cf. At 1,5+; 2,38+). Mais tarde deve ter-se estabelecido a associação do batizado às três pessoas da Trindade. Quaisquer que tenham sido as variações nesse ponto, a realidade profunda permanece a mesma. O batismo une à pessoa de Jesus Salvador; ora, toda a sua obra salvífica procede do amor do Pai e se completa pela efusão do Espírito. (explicação para Mt 28,19, p. 1758). (grifo nosso).
A segunda passagem, em que se supõe Jesus ter dito algo sobre o batismo, é essa:
Mc 16,14-16: “Por fim, Jesus apareceu aos onze discípulos... disse-lhes:’Vão pelo mundo inteiro e anunciem a Boa Notícia para toda a humanidade. Quem acreditar e for batizado, será salvo. Quem não acreditar, será condenado’".
Aqui se percebe claramente que atribuíram essas palavras a Jesus. É tão óbvio isso que se torna difícil negar, especialmente se verificarmos a frase “quem não acreditar, será condenado”; isso porque para ela ser coerente com essa outra “quem acreditar e for batizado, será salvo”, deveria ser uma sentença negativa da seguinte forma: “Quem não acreditar e não for batizado, será condenado”.
Além disso, se compararmos essa passagem com o que encontramos em Atos, veremos que não era esse o pensamento corrente, já que nessa outra nem se fala em batismo; vejamos: “Crê no Senhor Jesus, e serás salvo, tu e tua casa” (At 16,31). Desconcertante é que nesse versículo se diz que apenas “um da família” precisa crer para que sua casa, quer dizer, toda sua família, seja salva. Já no verso de Marcos a norma é outra, já que não só nada foi dito dos familiares, mas também porque afirma que a regra para todos é: "quem crer e for batizado...", deixando-nos na certeza da interpolação mal feita.
Mais complexa fica essa questão da salvação, já que também está dito: “... o Evangelho que vos preguei,... por ele sereis salvos,...” (1Cor 15,1-2), deixando-nos completamente perdidos quanto a saber o que efetivamente irá nos salvar; fora o que foi dito por Jesus: “a cada um segundo suas obras” (Mt 16,27).
Entretanto, para não dar a impressão de que isto é só opinião nossa, vamos apresentar o que disseram os tradutores da Bíblia de Jerusalém. Leiamos suas observações relativas a Marcos capítulo 16, versículos de 9 a 20:
O trecho final de Mc (vv. 9-20) faz parte das Escrituras inspiradas; é tido como canônico. Isso não significa necessariamente que foi escrito por Mc. De fato, põe-se em dúvida que este trecho pertença à redação do segundo evangelho. – As dificuldades começam na tradição manuscrita. Muitos mss, entre eles o do Vat. e o Sin., omitem o final atual... A tradição patrística dá também testemunho de certa hesitação. – Acrescentemos que, entre os vv. 8 e 9, existe, nessa narrativa, solução de continuidade. Além disso, é difícil admitir que o segundo evangelho, na sua primeira redação, terminasse bruscamente no v. 8. Donde a suposição de que o final primitivo desapareceu por alguma causa por nós desconhecida e de que o atual fecho foi escrito para preencher a lacuna. Apresenta-se como um breve resumo das aparições do Cristo ressuscitado, cuja redação é sensivelmente diversa da que Marcos habitualmente usa, concreta e pitoresca. Contudo, o final que hoje possuímos era conhecido, já no séc. II por Taciano e santo Ireneu, e teve guarida na imensa maioria dos mss gregos e outros. Se não se pode provar ter sido Mc o seu autor, permanece o fato de que ele constitui, nas palavras de Swete, “uma autêntica relíquia da primeira geração cristã”. (Bíblia de Jerusalém, p. 1785). (grifo nosso).
Apesar desses argumentos, é certo que ainda encontraremos pessoas que continuarão a aceitar a frase como verdadeira. Mesmo que fosse, por coerência, é muito improvável que Jesus estivesse falando do batismo de João. O mais certo é que estaria se referindo ao batismo "com Espírito Santo e com fogo", pois é o que sucede a todo aquele que crê em suas palavras e pratica seus ensinos.
Que essa passagem de Marcos não deveria ser usada para sustentar o batismo que praticam é um fato. Inclusive é o que podemos comprovar pela opinião do tradutor da Bíblia Anotada que, em relação à Mc 16,9-20, diz:
“... A discutível genuinidade dos vv. 9-20 torna pouco sábio construir uma doutrina ou basear uma experiência sobre eles (especialmente os vv. 16-18)” (Bíblia Anotada, p. 1265). E, especificamente, quanto ao versículo 16, ele explica: “Esta pode ser uma referência ao batismo do Espírito Santo (1Cor 12:13). O batismo com água não salva (veja as notas sobre At. 2:38; 1Pe 3:21)” (Bíblia Anotada, p. 1265).
Mais opiniões sobre essa parte do evangelho de Marcos:
Mc 9-20: Este trecho difere muito do livro até aqui; por isso é considerado obra de outro autor. Os cristãos da primeira geração provavelmente quiseram completar o livro de Marcos com um resumo das aparições de Jesus e uma apresentação global da missão da Igreja. Parece que inspiraram no último capítulo de Mateus (28,18-20), em Lucas (24,10-53), em João (20,11-23) e no início do livro dos Atos dos Apóstolos (1,4-14). (Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, p. 1307). (grifo nosso).
Mc 16,1-8: A conclusão original do evangelho de Marcos é surpreendente e desconcertante, a ponto de os escritores posteriores terem acrescentado um epílogo, respaldado como canônico pela autoridade da Igreja... (Bíblia do Peregrino, p. 2446) (grifo nosso).
Mc 16,9: A passagem 9-20 falta nos manuscritos mais antigos. Não é provavelmente de Marcos. (Bíblia Sagrada Editora Ave Maria, p. 1344). (grifo nosso).
Seguindo em nossa análise, veremos que pelo evangelho de Lucas (cap. 24) nada foi recomendado aos discípulos com relação a esse nosso assunto. Mas como Lucas, segundo os exegetas, é o autor do livro Atos dos Apóstolos, é nele que encontramos as recomendações de Jesus, na versão desse evangelista:
At 1,1-5: “... Jesus começou a fazer e ensinar, desde o princípio, até o dia em que foi levado para o céu. Antes disso, ele deu instruções aos apóstolos que escolhera, movido pelo Espírito Santo... Estando com os apóstolos numa refeição, Jesus deu-lhes esta ordem: ‘Não se afastem de Jerusalém. Esperem que se realize a promessa do Pai, da qual vocês ouviram falar: 'João batizou com água; vocês, porém, dentro de poucos dias, serão batizados com o Espírito Santo’...”.
Conforme já dissemos anteriormente, Jesus pregou, sim, um batismo, mas o batismo do Espírito Santo e não o de água. E aqui, dessa passagem, não consta que devemos ser batizados “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, como está em Mateus, evidenciando, mais uma vez, que isso é mesmo uma interpolação. E, em relação aos discípulos, o batismo do Espírito Santo, foi o único ao qual eles se submeteram; o que nos leva a concluir que, caso haja necessidade de batismo, é esse o que deveria ser feito.
Podemos ainda, nesse ponto, colocar o que Pedro disse: “Foi então que me lembrei da declaração do Senhor, quando disse: ‘É verdade que João batizou com água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo’” (At 11,16). Essa passagem confirma a anterior, onde se encontra o que Lucas disse.
E, por fim, vejamos a narrativa de João.
Jo 20,19-23: “Era o primeiro dia da semana. Ao anoitecer desse dia, estando fechadas as portas do lugar onde se achavam os discípulos por medo das autoridades dos judeus, Jesus entrou. Ficou no meio deles e disse: ‘A paz esteja com vocês’. ‘... Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês’. Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: ‘Recebam o Espírito Santo. Os pecados daqueles que vocês perdoarem, serão perdoados. Os pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão perdoados’".
Em João não encontramos Jesus recomendando diretamente nenhum tipo de batismo. Mas, por outras passagens, já citadas, podemos entender que “ao soprar sobre os discípulos” Jesus estava realizando o batismo do Espírito Santo, aquele que lhes tinha prometido. Inclusive, era esse o praticado pelos discípulos; senão vejamos:
At 2,38: “Pedro lhes respondeu: ‘Convertei-vos e cada um peça o batismo em nome de Jesus Cristo, para conseguir perdão dos pecados. Assim recebereis o dom do Espírito Santo’”.
At 10,44-48: “Pedro ainda falava, quando o Espírito Santo desceu sobre todos os que escutavam seu discurso. Os fiéis de origem judaica, que tinham ido de Jope com Pedro, ficaram admirados por verem que o dom do Espírito Santo tinha sido derramado também sobre os não-judeus. De fato, eles os ouviam falar em diversas línguas e glorificar a Deus. Então Pedro disse: ‘Quem poderá recusar a água do batismo a esses, que receberam o Espírito Santo da mesma forma que nós?’ E decidiu que fossem batizados em nome de Jesus Cristo...”.
Observe, caro leitor, que uma parte do passo de Atos 10,44-48 tem tudo para ter sofrido uma interpolação, talvez por quererem justificar o batismo com água. Vejamos o trecho do texto para análise: “Então Pedro disse: ‘Quem poderá recusar a água do batismo a esses, que receberam o Espírito Santo da mesma forma que nós?’”. Se dele retirarmos a expressão “a água do batismo” o texto estaria mais coerente em sua estrutura e significado; senão vejamos: “Quem poderá recusar a esses, que receberam o Espírito Santo da mesma forma que nós?” Assim, percebemos que a expressão “a água do batismo” não tem nada a ver com o assunto abordado por Pedro, que certamente questionava se essas pessoas iriam ser recusadas mesmo depois de terem recebido o “dom do Espírito Santo”.
Ressaltamos também a questão, falada anteriormente, quando comentamos At 19,1-6, sobre a fórmula do batismo, que, ao invés de “em nome do Pai, do filho e do Espírito Santo”, batizavam somente “em nome de Jesus”. Aliás, com relação a essa última expressão podemos encontrar dez outras passagens [[1]] em que se diz para fazer algo “em nome de Jesus”, enquanto que, em relação à primeira, nenhuma, pois a única encontrada provou-se ser uma interpolação.
Há ainda uma outra passagem bíblica que, apesar de não se relacionar ao batismo, querem os teólogos, com suas interpretações dogmáticas, atribuir-lhe tal sentido. É a passagem que narra o diálogo de Jesus com Nicodemos, conforme o evangelho de João:
“... Jesus lhe respondeu: ‘Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus’. Disse-lhe Nicodemos: ‘Como pode um homem nascer, sendo velho? Poderá entrar segunda vez no seio de sua mãe e nascer?’ Respondeu-lhe Jesus: ‘Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito. Não te admires de eu te haver dito: deveis nascer de novo. O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde ele vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito’. Perguntou-lhe Nicodemos: ‘Como isso pode acontecer?’ Respondeu-lhe Jesus: ‘És mestre em Israel e ignoras essas coisas? Em verdade, em verdade, te digo: falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos, porém, não acolheis o nosso testemunho. Se não credes quando vos falo das coisas da terra, como crereis quando vos falar das coisas do céu?’” (Jo 3,1-12).
Sobre esse assunto, o primeiro ponto, inclusive, já poderíamos ter falado antes, quando citamos trechos do evangelho de João. É que nos parece muito estranho atribuir a autoria desse evangelho a ele, porquanto sabemos que foi escrito em grego - por volta de 100 d.C. - e que, como Pedro, João era iletrado e sem instrução (At 4,13), ficando-nos uma enorme suspeita de que “falaram” por ele, ou então isso veio por uma provável psicografia. O segundo é em relação ao fato de que Jesus não batizou nem recomendou batismo de água a ninguém, conforme estamos constatando neste estudo.
Quanto ao conteúdo deste texto, não há explicação para que Nicodemos “ignorasse essas coisas”, sendo ele um membro do Sinédrio, especialmente se Jesus estivesse se referindo ao batismo, pois, se fosse mesmo, certamente ele o teria entendido. Se ignorava, é porque, na verdade, era sobre outra coisa que Jesus lhe falava. Pelos seus questionamentos a Jesus, fica claro que era algo muito mais profundo do que um simples ritual, como o do batismo; portanto, seria um assunto mais complexo que esse. Com certeza, a reencarnação é algo assim, já que a maioria das pessoas por “ignorar essas coisas”, não sabe exatamente como pode “um homem velho voltar a nascer de novo; porventura, irá entrar no seio de sua mãe e nascer”? A esses Jesus replicaria, como já o fizera antes: “Não te admires disso”.
Para justificarem o batismo nessa passagem concentram seus argumentos no trecho “quem não nascer da água”, jogando por terra todo o simbolismo que, naquele tempo, se via nisso:
[...] A água tinha grande simbolismo entre os hebreus: tanto o espírito como as águas são fecundos (Is 32:15; 44,3; Ez 36:25-27); o espírito é coisa que Deus envia e derrama, como água (Jl 3,1-2; Zc 12;10). Água era uma expressão para indicar influências boas ou más, como no (Sl 1,3): “Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto na estação própria, e cujas folhas não caem; e tudo quanto fizer prosperará”. [...] (PALHANO, 2001, p. 403).
Então concluímos que Jesus, após sua ressurreição, manteve-se coerente com o que pensava antes de sua morte; a mudança ocorreu por conta de interpolação e acréscimo. Ainda bem!
Conclusão
A justificativa de alguns para o ritual do batismo, é porque todos, ao nascerem, trazem como herança o pecado original. De fato, é bastante “original” o pecado de Adão e Eva; apenas isso, pois, ao imputarem-no a todos nós, além de cometerem a maior das injustiças, é contrário ao que “a palavra de Deus” determina: “Os pais não serão mortos pela culpa dos filhos, nem os filhos pela culpa dos pais. Cada um será executado por causa de seu próprio crime” (Dt 24,16) ou “O indivíduo que peca, esse é que deve morrer. O filho nunca será responsável pelo pecado do pai, nem o pai será culpado pelo pecado do filho” (Ez 18,20).
Mas, se tal coisa é verdadeira, se devemos ser batizados por conta do pecado original, então como explicar o batismo de Jesus, já que todos nós acreditamos que Ele tenha nascido puro? Por que Jesus nunca disse: Vá, seja batizado e será salvo? Evidentemente é porque Jesus nunca pregou o batismo de João, apesar de, conforme já o dissemos, encontrarmos uma passagem bíblica (Mc 16,14-16), sobre a qual já comentamos, colocando isso como se fossem palavras de Jesus.
Por outro lado, entre o ritual do batismo praticado por João Batista e o realizado hoje em dia, há grande diferença, pois o anterior era o batismo do arrependimento que só era realizado após a pessoa confessar seus pecados, o que não acontece quando se batiza uma criança recém-nascida. De fato, o batismo nos primeiros tempos do cristianismo era tido como sendo um ritual que conferia uma espécie de selo ao novo cristão, ao novo convertido, ou seja, o ritual não era uma causa, mas uma conseqüência da conversão. E hoje, mesmo no caso de pessoas adultas que fizeram "estudo bíblico" para se batizarem, elas não confessam seus pecados nem antes, nem durante ou após a cerimônia. Além disso, o ritual era o de submersão (mergulho); mas vemos que, nas práticas atuais, nem sempre o fazem dessa forma, já que em determinadas correntes religiosas apenas se esparge água sobre o crente, enquanto que em outras se derrama água sobre a sua cabeça. Com isso, ratificamos o que dissemos anteriormente sobre as igrejas cristãs praticarem mesmo é o batismo de João.
Mas quem tem razão? Qual dos Espíritos Santos está lhes inspirando o batismo correto?
Uma outra questão: as mulheres eram batizadas? Sim (At 8,12); mas isso é estranho já que, pela cultura da época, as mulheres não tinham o menor valor; inclusive, parece-nos que nem mesmo participavam dos rituais religiosos (1Cor 14,34-35), só admitidos aos homens. Convém lembrar que o ritual de iniciação judaica era a circuncisão, obviamente feita somente aos do sexo masculino. Sabendo-se que as mulheres estão salvas “por dar à luz filhos” (1Tm 2,15), não haveria necessidade de batizá-las visando-lhes a salvação por esse ritual; não é mesmo?
Justificam alguns que, pelo fato de Jesus ter sido batizado, nós também devemos sê-lo. Embora já tenhamos demonstrado por que Jesus foi batizado (Jo 1,31.33), afirmamos que, se o simples fato dele ter sido batizado nos obriga a isso, então, por questão de coerência e de lógica, devemos manter o ritual da circuncisão, já que Jesus também se submeteu a tal prática. Ah! Só mais um lembrete: Jesus também foi crucificado... Quem se habilita?
Outros mais, talvez, apresentem alguma passagem bíblica para corroborar o batismo, por puro apego a rituais, dos quais não querem largar mão; por isso não buscam uma visão do conjunto e se dão por satisfeitos com a primeira passagem que encontram. Muitos desses, provavelmente, irão querer contestar esse nosso texto; mas, se não pesquisam sobre o assunto e ainda ficam presos às interpretações dogmáticas, o que poderemos fazer?... A esses apenas apresentamos esta passagem: “Temos muito a dizer sobre este assunto, mas é difícil explicar, porque vocês se tornaram lentos para compreender. Depois de tanto tempo, vocês já deviam ser mestres; no entanto, ainda estão precisando de alguém que lhes ensine as coisas mais elementares das palavras de Deus. Em vez de alimento sólido, vocês ainda estão precisando de leite. Ora, quem precisa de leite ainda é criança, e não tem experiência para distinguir o certo do errado. E o alimento sólido é para os adultos que, pela prática, estão preparados para distinguir o que é bom e o que é mau” (Hb 5,11-14).
Mas cabe-nos um esclarecimento final a respeito do batismo, aquele que era o praticado naquela época; para isso vamos recorrer a Palhano Jr, que explica:
Batismo. (Do grego: bapto, mergulhar). Ritual de purificação. João Batista administrava um batismo de arrependimento para a remissão de pecados (Marcos 1,4), antecipando o batismo no espírito e em fogo (verdade) que o Messias exerceria (Mateus 3,10). O batismo cristão está arraigado na ação redentora de Jesus e o ato d'Ele, quando se submeteu ao batismo de João (Marcos 1,9), demonstrou e efetivou sua solidariedade com os homens. Na igreja primitiva, o batismo não era com água, mas com a imposição das mãos sobre aquele que se convertia e objetivava o chamado 'dom do espírito santo', isto é, sensibilizar aquele que era batizado para que ganhasse percepção espiritual ou mediúnica (Atos 19,6). O batismo com água é um mero ritual sem nenhum valor moral e os espíritas não devem se preocupar com isso. Trata-se de um sacramento dogmático que afirma ter ação salvadora um ato externo, ritualístico, mais uma obrigação religiosa que descaracteriza a obrigação do esforço próprio, para o merecimento da paz e da felicidade. O batismo de criancinhas, para apagar o 'pecado original', é o resultado da ação judaizante sofrida pelos cristãos, pois nada mais é do que a substituição do sinal da circuncisão ao oitavo dia de nascido para o filho varão. O espiritismo preconiza a inutilidade de qualquer culto, ritual, sacramento, paramento, sinal, para as coisas religiosas, visto que os verdadeiros adoradores de Deus o adoram em espírito e verdade (João 4,23). (PALHANO JR, 1999, p. 173).
Esperamos, caro leitor, que esse estudo possa lhe ser útil em alguma coisa, especialmente para que encontre a “verdade que liberta”.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Revisado e ampliado em jan/2007.
(Revisado Abr/2008)
Referências Bibliográficas
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